Exposição
Curadoria:
Sara Antónia Matos / Pedro Faro
09.06.2020 // 11.10.2020
Inauguração:
09.06.2020
Mais informações:

Introdução: Além do momento de exposição
[Sara Antónia Matos, directora AMJP]

Em Abril de 2013, o Atelier-Museu Júlio Pomar abria as suas portas ao público com uma exposição intitulada “Em torno do Acervo”. Tratava-se, na altura, de dar a conhecer ao público a missão do museu, as suas linhas de trabalho, os seus principias núcleos de obras e de descobrir as relações possíveis de estabelecer com outras entidades artísticas. Estava ainda a conhecer-se o próprio espaço, de trabalho e de exposição, as suas possibilidades, potencialidades e constrangimentos.

Volvidos sete anos sobre a realização dessa exposição inaugural e após um período de paragem forçada, aproveitada para reflexão e trabalhos de investigação pela equipa do museu, na reabertura do espaço ao público adoptou-se o mesmo título do primeiro momento de abertura, dando agora lugar a um segundo andamento: “Em Torno do Acervo II”. Na verdade, parece estar-se num segundo ponto de partida, uma segunda abertura, mas agora com um lastro de trabalho já realizado, o qual permite dar passos com outra segurança e solidez.

Ao longo destes anos de existência e implementação no meio, o museu fez investimentos a vários níveis nomeadamente no que diz respeito ao acervo, adquirindo novas obras para a colecção e recebendo, em doação, por parte da Fundação Júlio Pomar e dos herdeiros do artista, um número significativo de obras que enriqueceram as possibilidades de trabalho e de autonomia do museu. Assim, a exposição “Em Torno do Acervo II”, pretende olhar para o acervo a partir de cada uma das exposições já realizadas ao longo destes sete anos, detendo agora outro conhecimento sobre esse espólio. Assim, a nova exposição, voltando a mostrar uma ou duas obras de cada uma das anteriores, juntando-lhes outras nunca mostradas, permitirá ter uma nova perspectiva sobre o acervo, mais ampla devido à entrada de obras e ao conhecimento aprofundado dos núcleos, perspectivando outras vias de trabalho que não se vislumbravam anteriormente, antes das bases lançadas ao longo destes sete anos. Trata-se portanto de uma revisitação de toda actividade e exposições realizadas pelo Atelier-Museu, mas não com o olhar no passado ou com um espirito saudosista. Revisitando cada exposição anterior através da selecção de uma ou duas peças representativas, esta mostra “Em Torno do Acervo II” permitirá  revisitar os vários núcleos de trabalho do museu e assim analisar os conceitos trabalhados em cada uma das ocasiões, a actualidade e operatividade desses conceitos, a forma como se exploraram ou desconstruíram categorias artísticas e disciplinares, repercutindo-se isso na contextualização e projecção da obra de Júlio Pomar, bem como na arte contemporânea em geral. Este momento, que se procura de grande singeleza e sobriedade, consentâneas com um regresso cauteloso à actividade por parte dos equipamentos culturais, tem por objectivo potencializar linhas de trabalho e actuação, para o futuro, associadas a esta colecção, legado de Júlio Pomar.

Além do investimento nas obras do acervo, foi feito um esforço considerável ao nível da produção de conteúdos, do estudo de obras, da contextualização e sistematização da colecção, que verteram amplamente na comunicação e no projecto editorial desenvolvido por este museu. Esta produção de conteúdos em torno das obras e da arte contemporânea em geral, tornou-se porventura a componente mais rica do espólio que compõem este museu, reflectindo-se particularmente ao nível da criação de memória. Daí que esta segunda exposição, “Em Torno do Acervo II”, além de obras referenciais de cada uma das exposições anteriores (a que se juntaram outras ainda não reveladas ao público), apresente trabalhos contextualizados por documentos vários, cadernos de esboços, catálogos e outras publicações realizadas pelo museu, etc.

A reflexão sobre os museus enquanto lugares de memória e de produção de conhecimento, espoletada neste período de isolamento e desaceleração, faz mais sentido que nunca, mostrando que o trabalho dos museus vai muito para além dos momentos de exposição.

A missão do Atelier-Museu é trabalhar o legado artístico e intelectual que Júlio Pomar deixou e o que se pode aprender com ele sobre arte, a sociedade, a política, a história, a resistência, a luta, o amor, entre outros domínios da vida. Essa missão continuará a ser desenvolvida a partir do material que o museu detém e que já encetou nas várias investigações levadas a cabo, desde a sua abertura. Sublinha-se a importância do trabalho de conservação e comunicação desse legado, que passa por muitos aspectos, vias e acções além do momento de exposição. O museu é um espaço de preservação da história e do conhecimento produzido pela humanidade, e em momentos de abalo das certezas, re-olhar para essas histórias e esses saberes com outros olhos, e a partir de outras perspectivas, pode ser muito importante e reconfortante. A cultura, em geral, ganha importância em tempos de incerteza, e confere aos seus consumidores e fruidores força gregária e sentido de comunhão.

É tudo isso, particularmente o afirmar deste posicionamento, de que em cada museu há um legado de conhecimento comum, pertencente a toda a humanidade, e um trabalho de retaguarda a fazer, que esta exposição procura mostrar. Cada museu tem um património crítico e cultural que não se pode dispensar, sob pena de as pessoas deixarem de reconhecer a sua própria história e a sua própria humanidade.

Nos últimos anos, houve uma tendência para subestimar a experiência estética e pensar o museu como um simples entretenimento. Um dos desafios que a actualidade coloca é justamente o de pensar outra vez sobre as valências da experiência estética e de que forma os museus podem contribuir para essa reflexão a partir das suas colecções e do trabalho de artistas contemporâneos (no âmbito dos novos constrangimentos). O Atelier-Museu Júlio Pomar, por ser uma instituição com as características de uma estrutura-intermédia, nem pequena nem grande demais, focou a sua atenção na investigação e experimentação, criando condições para os profissionais desenvolveram trabalhos inéditos, com apoio e suporte institucional, mesmo quando isso implica adaptações do próprio museu e o assumir processos em desenvolvimento, inacabados e por testar.  Na prática, isso traduz-se no encomendar e desencadear de pequenas e médias produções – artísticas, editoriais, de mediação/serviço educativo, actividades e acções desenhadas para pequenos grupos e para pessoas singulares, que agora se pretendem reforçar repensando novos canais de relação e produção de conhecimento sobre o museu.

É agora tempo de passar à acção. Se antes se reclamou uma desaceleração dos ritmos de produção e dos movimentos, dado o tempo de reflexão que o abrandamento impôs, está-se agora apto a passar à acção ponderada, fundamentada, sem pressa, confiante e segura – o que não significa deixar de arriscar. Isto é, não significa um passo atrás do Atelier-Museu no que diz respeito à realização de projectos com teor experimental, de investigação e longa duração, mesmo que o produto resultante não seja imediato, visível ou fechado.

Significa antes que além de o museu proporcionar um lugar seguro para se estar em termos físicos, pode ser um espaço de conforto psicológico e social já que permite o encontro com o outro e com a sociedade mediado pela distância correcta e por via indirecta das obras de arte. Permite o encontro com a beleza, com a aprendizagem e com os afectos.

Por essa razão, nesta exposição que pela segunda vez permite explorar o acervo e compreender de novo o espaço físico e a estrutura do museu face à sua colecção, o Atelier-Museu mostra obras de vários núcleos ainda pouco explorados e conhecidos do público, cadernos de desenhos e esboços que mostram a singeleza e simultaneamente a seriedade que Júlio Pomar emprestava a cada momento e a cada realidade – fazendo delas situações únicas, prestando-lhes atenção.

Para reforçar o conforto no museu, e do edifício que no fundo foi pensada por Siza Vieira como uma casa, um atelier, um lugar para “se estar”, a exposição disporá de bancos, cadeiras e sofás e pequenas mesas para consultar publicações com recurso a luvas. Pretende voltar-se a dar ao visitante o sentido de bem-estar, incutir disponibilidade de tempo para estar frente às obras, eventualmente para conversar e desfolhar um livro. É necessário que os museus em geral voltem a conferir aos espectadores a protecção e o conforto desejados. Um lugar para se estar, ver, sentir. Um lugar para usufruir sem medo. Para “viajar” através das obras de arte, mas em segurança. É neste espírito que se exibem pela primeira vez o conjunto de trabalhos, como Cacth, que em certo sentido revalorizam momentos de prazer e diversão, transmitindo um sentido de normalidade e retoma dos afectos e das liberdades, indispensável.

Além disso, mediante marcação, o museu proporciona visitas guiadas exclusivas, especialmente dirigidas a uma, duas, três, quatro ou cinco pessoas (no máximo), impedindo a aglomeração no espaço. Essas visitas exclusivas, singulares, são adaptadas a cada situação e, por vezes, focadas numa única obra, feitas para uma única pessoa, num diálogo íntimo e especial, estabelecido entre o mediador e o visitante, tornando a ocasião irrepetível e memorável.

Paralelamente a esta exposição, Em Torno do Acervo II, o Atelier-Museu implementou também um programa digital, procurando reflectir sobre a colecção do museu, sobre a obra e vida de Júlio Pomar e sobre a rede de relações estabelecida ao longo de sete anos de actividade, partilhando online (Facebook e Instagram e, brevemente no seu site), de um modo sistemático, diferentes materiais em diferentes secções e diferentes dias da semana.

Todas as segundas-feiras, sob o título “Segunda-Feira: Atelier-Museu Júlio Pomar OBRA DE ARTE”, partilham-se imagens e informação sobre obras de Júlio Pomar: fichas de leitura sobre obras de Júlio Pomar escritas por vários investigadores e ensaístas.

Todas as quartas-feiras, ao abrigo do título “Quarta-Feira: Atelier-Museu Júlio Pomar DOCUMENTA / ARQUIVO”, divulgam-se documentos do arquivo referentes à obra e vida de Júlio Pomar: recortes de jornais, fotografias, textos escritos por Júlio Pomar, entrevistas, documentários, etc.

Todas as Sextas-Feiras, com o título “Sexta-Feira: Atelier-Museu Júlio Pomar CONTEMPORÂNEO” é dedicado às sugestões de profissionais (artistas, ensaístas, curadores, cineastas, designers, fotógrafos, e outros profissionais) que ao longo dos anos foram colaborando com o Atelier-Museu Júlio Pomar: citações, imagens de obras, imagens diversas, livros, músicas, filmes, etc.

Todos os Sábados, sob o signo “ Sábado: Atelier-Museu Júlio Pomar SERVIÇO EDUCATIVO” desafia-se o público para uma actividade desenvolvida pelo Serviço Educativo do Atelier-Museu Júlio Pomar: exercícios de aproximação à obra de Júlio Pomar, desafiando modos de ver e sentir.

Podendo ser uma ferramenta vital, para divulgar conhecimento e manter a ligação com os públicos, o digital contudo não pode ser a solução única no que toca à actividade dos museus e à experiencia artística, sobretudo, considerando que a presença e a experiência háptica, in loco, das obras e das exposições, é indispensável e sobretudo insubstituível. É nesse sentido que o Atelier-Museu, juntamente com os artistas, está a repensar e redesenhar as suas actividades tornando-as únicas e singulares, inclusivas, em detrimento de números, ritmos e quantidades, procurando antes encontrar outros modelos e paradigmas de actuação. As artes também podem participar nessa reinvenção a partir do seu próprio campo de actuação. É preciso encontrar formas de agir, diferentes das anteriores a muitos níveis, dando mais atenção e valor a cada momento, a cada experiência e a cada lugar, valorizando os pequenos acontecimentos e pensando cada acção com um verdadeiro compromisso ético, não só com o próximo como com o planeta. Isto não significa todavia um recuo ou retrocesso ao passado, um acantonamento ou confinamento ao local. Ao contrário, a arte é contemporânea e global. Significa apenas e tão só que cada acção e cada obra de arte, cada gesto artístico, pode ter importância e alcance planetário, seja ele físico, semântico, sociológico.

 

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